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O Erro Médico escusável

Data: 13/06/2012 15:00

Autor: Ézio Ojeda

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Logrou muito respeito e admiração o médico até pouco tempo. Refletia a imagem de um semideus. Enquanto detentor da verdade absoluta e confiança da sociedade, indicava o tratamento nem sempre apenas físico. Moral, ética, filosofia e até orientação espiritual compunham o rol de apanágios deste ícone da sabedoria, aqui no Brasil como no mundo inteiro. Este obreiro da ciência e da arte usufruiu desta honraria por milênios, desde Hipocrates (460-370 a.C.) até por volta da década de 1970.
 
Respondendo à mudança política e cultural pela qual passamos, reformularam-se as balizas dos valores sociais. Vislumbramos hoje situação bem diversa daquela Medicina Hipocrática. Nesta época, tínhamos doutores que se equiparavam aos sacerdotes e magistrados, gozando de pleno respaldo da opinião pública. Seus diagnósticos, propedêuticas e terapias carregavam fidelidade e total acatamento dos pacientes. A medicina inconteste e inconteste era o médico. Era a era...
 
Escopo de inúmeras ações judiciais, esta casta tem visto dissolver vertiginosamente seu status quo. Despreparado para o embate nos tribunais, não sendo esta sua seara, aquele senhor dos conhecimentos técnicos imprescindíveis à saúde do homem, hoje é abarcado pelo Código de Defesa do Consumidor e por uma verdadeira Indústria da Indenização. O direito irrestrito à Justiça, consagrado pela nossa Constituição (Art. 5º, XXXV) e a quebra na relação médico-paciente têm dado guarida a não poucos processos cíveis e criminais, na maioria das vezes insubsistentes que apresentam como maior corolário a degradação da profissão outrora endeusada. Entendo que não seja o melhor caminho.
 
Na Faculdade, o aluno de Medicina é adestrado a estudar... estudar...estudar e estudar muito a doença e o paciente. Incontáveis noites debruçado sobre livros de Fisiologia, Farmacologia, Semiologia, etc...fazem dos nerds de branco os melhores alunos das Universidades, contudo não os preparam para a vida real pós-diploma. Desconheço qualquer escola que lhes dê alguma noção de Direito durante todos os seis anos de curso. Penso que Direito Médico devesse ser matéria obrigatória para estes alunos. Estes futuros profissionais, além de salvar vidas, certamente passarão algum dia por um dissabor de ver seu CRM envolvido em alguma denúncia. Descabida ou não, furtará seu sono. Quem é o maior prejudicado por este decesso institucional? Mais que estes imediatos proletariados do Sistema Único de Saúde e dos Planos de Saúde, sem titubear, assevero: a sociedade.
 
Por trás deste cenário, pode existir uma engenhosa estratégia de desestabilização da classe, onde se promove a desvalorização profissional primeiro com a péssima remuneração, depois com a proliferação de escolas médicas sem a devida qualificação técnica, exigida e ao mesmo tempo chancelada pelo Ministério da Educação e, por fim, a maculação da imagem do médico frente o público menos esclarecido, como materialista, descompromissado e culpado de todas as más evoluções clínicas, como se este tivesse sempre a obrigação de resultado e não de meio, constatado em vasta jurisprudência do assunto. A culpa, composta por negligência, imprudência ou imperícia deve ser demonstrada pelo acusador. E como se não bastassem os pré-julgamentos, começaram a surgir entendimentos não só de culpa no ato médico, mas também de recebimento de denúncias por dolo, intenção médico em lesar ou causar dano ao paciente. A meu ver, um absurdo! De que forma conceber um comportamento deste, mesmo que na qualidade eventual? Seria o equivalente a aceitar um pai desejasse educar seu filho para que crescesse um delinquente intelectual!
 
Qual o objetivo ou propósito disso tudo? Talvez seja apenas uma evolução natural da humanidade em se desfazer dos seus antigos valores e reavaliar sua filosofia, atualizando a história, o que de per si já seria um engano. Talvez, pior. Perversa exista uma manobra de sucatear para baratear a mão-de-obra em avançada decomposição. Alguém se lembra desta astúcia neoliberal?  De qualquer forma, as consequências serão lastimáveis. Pelo andar da carruagem, teremos carência destes experts na praça. Já é fato que não se encontram Pediatras para contratar. Obstetrícia, Cirurgia Plástica e Ortopedia são os principais fitos de processos por erro médico. A grande maioria improcedente. Nos outros países, o panorama não se apresenta muito diferente. O Canadá, a Inglaterra e a Austrália, com exiguidade neste setor, procuram ávidos por médicos brasileiros, famosos pela boa formação e excelência no trabalho. Incoerente, não? Ah, é! “Santo de casa não faz milagres...”
 
Não defendo o charlatanismo nem a conduta do mau profissional, em hipótese alguma.  Em qualquer área de trabalho existem joio e trigo. Deve-se julgar e punir nos rigores da lei, se condenado mediante os sagrados Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório. Mas pondero. Não podemos admitir um Tribunal de Exceção, onde antes mesmo da investigação, produzem-se sentenças condenatórias irrecorríveis. Imaginemos um mundo sem a assistência destes autênticos anjos da guarda.  Hospitais e unidades de saúde sem os soldados sempre prontos para prestar socorro a quem necessitar? No papel não de colega, porém de sobrevivente de um acidente fatal, agora emocionado, testifico a importância das mãos firmes do cirurgião que me atendeu quando tinha apenas 5 anos de idade. Vítima de um traumatismo craniano, fui levado ao Hospital Santa Helena, onde recebi os devidos cuidados e escapei da morte graças a Deus que me providenciou um bom médico.
 
Greves, denúncias e lides começam a virar rotina para a categoria. Tratar o doente passou a configurar tarefa de alto risco. Admiro quando vejo pais se orgulhando ao declarar que o filho quer ser “doutor”. Felizmente aquele sentimento de altruísmo sobrevive. Contudo, só isso não basta. Segurança no trabalho e respeito são fundamentais. Penso que todo profissional deveria ter um salário digno para se dedicar exclusivamente à Medicina. Sem se preocupar com dívidas ou outros empregos, saltitando de plantão para plantão. Neste vetor, o Congresso Nacional parece estudar uma maneira de elaborar um plano de carreira para o médico (PEC 454/09). Algo promissor.
 
Hoje, pagamos rios de dinheiro às Seguradoras de Saúde que repassam uma miséria aos médicos. Qual a lógica disso? Contratar o próprio doutor não seria mais resolutivo? Os médicos das famílias, com toda a demora que seu cavalinho troteava até o endereço do paciente, conseguia assegurar tratamento eficaz e satisfação do acamado e de todos os seus. Hoje não procuramos pelo “Dr Fulano de Tal”, mas pelo que consta na lista do nosso convênio. Procurar a policlínica e aguardar na fila, nem pensar! Pronto-socorro? Nunca!
 
O que fazer, então? Alguém menos vocacionado sugeriria o abandono da profissão. Outro mais sensato responderia: ainda tem solução. Não com essa visão míope do Estado em promover a criação de novas vagas nas Escolas de Medicina, facilitar a entrada de estrangeiros para atuarem como clínicos em nosso país ou transferir a obrigação de fornecer saúde ao cidadão, proibindo-se a cobrança de cheque-caução ao paciente que tem o direito de ser bem atendido no hospital público. Com os impostos que pagamos, teríamos que receber atendimento vip, igual ou melhor que dos serviços privados. Tudo não passa de medidas demagógicas que protelam a saída de um túnel escuro pelo qual passamos há anos e que agravou a Universalidade apregoada pela Lei Orgânica da Saúde (8080/90). Perfeita na teoria, falida em prática dos corredores lotados de nossos hospitais. O profissional quando erra, normalmente o faz tentando acertar. Acredita fielmente na cura do paciente. O nosso Sistema Político, omisso e insensível, não. Este dolosamente promove o adoecimento da nossa já agonizante Saúde Pública.
 
Ex positis, por se tratar da mais pura Justiça, venho à presença de Vossa Excelência, caro leitor, requerer a absolvição do ínclito médico!
 
Dr Ézio Ojeda
Médico e Advogado
 
 
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