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Repetição de indébito no Código de Defesa do Consumidor

Data: 02/05/2016 13:51

Autor: Gaia de Souza Araujo Menezes

    O instituto da repetição de indébito constitui uma espécie de sansão civil com finalidade punitiva, sendo suas hipóteses de cabimento aquelas previstas nos artigos 42 do CDC e 876 do CC, ou seja, quando é cobrado valor indevido ou em favor de quem não merecia o recebimento.

    Contudo, devido ao enfoque que se pretende condensar ao direito do consumidor, será abordada com maior propriedade à incidência da repetição de indébito nas relações de consumo em detrimento daquelas decorrentes das relações civis.

    O consumidor cobrado indevidamente faz jus à repetição de indébito, quer dizer, a devolução em dobro da quantia cobrada indevidamente, podendo esse crédito equivaler ao valor integral ou apenas ao excesso pleiteado, como se observa do dispositivo legal citado alhures, in verbis:

             Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
            Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

    Esse instituto existe para barrar o enriquecimento ilícito, vez que o direito brasileiro definitivamente não se compraz com a conduta daquele que "quer se dar bem às custas dos outros", isto é, lograr proveito sem cumprir obrigação, ganhar dinheiro fácil, sem o merecimento pertinente.

    Sobre a repetição de indébito, sua natureza e seu objetivo, professora Bruno Miragem:

            “Prevista como uma sanção pedagógica e preventiva, a evitar que o fornecedor se “descuidasse” e cobrasse a mais dos consumidores por “engano”, que preferisse a inclusão e aplicação de cláusulas sabidamente abusivas e nulas, cobrando a mais com base nestas cláusulas, ou que o fornecedor usasse de métodos abusivos na cobrança correta do valor, a devolução em dobro acabou sendo vista pela jurisprudência, não como uma punição razoável ao fornecedor negligente ou que abusou de seu “poder” na cobrança, mas como fonte de enriquecimento sem causa do consumidor ”

    Pela leitura atenta do dispositivo retro, é possível depreender que, muito embora alguns Tribunais e, principalmente os Juizados Especiais, apliquem o instituto da repetição de indébito a partir da simples cobrança indevida, a correta incidência da sansão pressupõe que, além da cobrança indevida, ocorra também o seu efetivo pagamento pelo consumidor:

            APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO INDEVIDO. INSCRIÇÃO INDEVIDA NO CADASTRO DE INADIMPLENTES. DANOS MORAIS IN RE IPSA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. 1.Não havendo nos autos comprovação da efetivação do pagamento, o pedido de repetição em dobro não comporta provimento, vez que a devolução em dobro prevista no parágrafo único do art. 42 Código de Defesa do Consumidor só é cabível quando o consumidor haja pago, efetivamente, o valor cobrado supostamente de forma indevida, bem como é mister a comprovação irrefragável da inexistência da dívida e da má-fé do credor. 2.Prevalece no âmbito do Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que o dano moral sofrido em virtude de indevida negativação do nome se configura in re ipsa, ou seja, independentemente de prova. 3.Recurso conhecido e parcialmente provido para reformar a sentença a fim de reconhecer a inexistência do débito e, consequentemente, condenar o Apelado em R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de danos morais. (TJ-AM - APL: 07015801920128040001 AM 0701580-19.2012.8.04.0001, Relator: Maria do Perpétuo Socorro Guedes Moura, Data de Julgamento: 22/02/2016,  Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 01/03/2016)

    Outro elemento essencial para a incidência da repetição de indébito que tem sido levantada, em especial pelo C. Superior Tribunal de Justiça, é a imprescindibilidade de dolo e má-fé da cobradora, ou seja, há entendimento de que o consumidor só faz jus ao dobro do que foi pago em excesso, se a empresa estiver de má-fé, caso contrário a quantia será devolvida de forma simples:

            AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 42, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. REPETIÇÃO EM DOBRO. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. 1. Consoante jurisprudência consolidada desta Corte, a condenação à repetição em dobro do indébito, prevista no art. 42, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, pressupõe, além da ocorrência de pagamento indevido, a má-fé do credor, o que não ocorreu no presente caso. 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no Agravo de Instrumento nº 1214237/MS (2009/0149495-1), 3ª Turma do STJ, Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva. j. 19.03.2013, unânime, DJe 26.03.2013).

    Outrossim, em que pese o direcionamento do Excelso Pretório em relação a necessidade de má-fé do fornecedor como elemento de configuração para a repetição de indébito, importante salientar que tal ponto e objeto é mitigado e debatido por parte da doutrina brasileira, como bem representa Luís Cláudio Carvalho de Almeida:

            “na medida em que o consumidor é instado a pagar quantia indevida e o faz, caracterizada está a violação ao princípio da boa-fé objetiva, na medida em que violado o standard de qualidade que determina a correção dos cálculos apresentados na cobrança .”

    Ademais, existe situação em que a exigibilidade da repetição de indébito é afastada, ainda que seja efetivada a cobrança e o pagamento indevido. Essa situação se enquadra na perspectiva do erro justificável, onde deve ser patente a ausência de má-fé por parte do fornecedor.

    A conceituação de erro justificável é feita por interpretação analógica à antiga sumula 159 do STF cujas sanções previstas correspondem àquelas elencadas no atual artigo 940 do CC/02. Assim, erro justificável, à luz da jurisprudência pátria, é aquele erro em que o fornecedor não teve a intenção de se aproveitar do consumidor ou contribuinte, ou seja, quando patente a boa-fé.

       Sobre o afastamento da aplicabilidade da repetição de indébito, quando presente a figura do erro justificável, é clara a jurisprudência de Mato Grosso:

            “TJMT: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO. LIMITAÇÃO DE JUROS EM 12% AO ANO. INVIABILIDADE. CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS. AFASTAMENTO. INAPLICABILIDADE DO ART. 5º MEDIDA PROVISÓRIA 2.170-36/01. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA CUMULADA COM JUROS MORATÓRIOS E MULTA MORATÓRIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. ENGANO JUSTIFICÁVEL. [...] 5. A devolução do indébito em dobro, com base no Código de Defesa do Consumidor, é cabível desde que não se afigure hipótese de engano justificável. Calcada a cobrança dos valores pagos pelo consumidor em cláusula de contrato livremente pactuada, a repetição do indébito se fará na forma simples” (Ap, 21602/2009, DRA.HELENA MARIA BEZERRA RAMOS, SEXTA CÂMARA CÍVEL, Data do Julgamento 04/11/2009, Data da publicação no DJE 17/11/2009).

    No que se refere à plausibilidade do engano, capaz de afastar a penalidade, cabe ao fornecedor/cobrador desincumbir da produção dessa prova, enquanto ao consumidor resta apenas a prova da cobrança e do pagamento.

    Desta forma, para que se fale em repetição de indébito e, consequentemente a devolução em dobro ao consumidor, é preciso que, além da cobrança, seja patente o efetivo pagamento indevido. Além disso, também deve ser constatado o dolo e má-fé por parte do fornecedor quando da cobrança (considerando o entendimento jurisprudencial do STJ) e que a hipótese não seja encoberta pelo erro justificável pois, caso contrário, só será devida a devolução simples das quantias pagas indevidamente.

    Portanto, tendo em vista o conteúdo brevemente exposto, é possível depreender que a inserção do instituto da repetição de indébito no ordenamento jurídico brasileiro possui o condão de emprestar uma função pedagógica, chamando a atenção do fornecedor para as consequências de práticas comerciais negligentes e sem o emprego da devida diligencia e perícia.
 

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