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A demora no julgamento definitivo dos pedidos de registro e a nulidade dos votos

Data: 19/11/2010 18:00

Autor: Renato Orro

    Uma das preocupações que nos temos em relação a demora no julgamento definitvo dos registros de candidatura, é que o exercício da soberania popular acaba sendo tolhido e muitos partidos políticos tem sido prejudicados, dada a nulidade dos votos dos candidatos sub judice.
 
    A bem da verdade é que a lei permite que qualquer cidadão, mesmo que não preencha os requisitos constitucionais e infraconstitucionais, participe do pleito como candidato, ainda que a Justiça Eleitoral indefira o seu pedido de registro. É o que se extrai do 16-A da Lei nº 9.507/97:
 
    “Art. 16-A.  O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)”
 
    Em parte o art. 16-A foi inserido em respeito ao princípio constitucional da inocência, incerto no art. 5º, inciso LVII da Constituição. Mesmo que não houvesse previsão com relação a participação no pleito de candidato com registro indeferido e subjudice, entendemos que não seria possível a sua exclusão das eleições sem que houvesse  o transito em julgado da sentença.
 
    Assim, a Lei Eleitoral permite expressamente que qualquer pessoa possa pedir o seu registro de candidatura, sem que preencha qualquer requisito exigido e participe do pleito como candidato subjudice, garantido ainda, que seu nome vá às urnas e receba o voto dos cidadãos, desde que não haja o transito em julgado do indeferimento de seu registro  antes da geração das tabelas para elaboração da lista de candidatos e preparação das urnas.
 
    Na teoria, tirando por base as eleições ocorridas neste ano, a Resolução nº 23.221/2010 do Tribunal Superior Eleitoral, estipulou um prazo para julgamento dos pedidos de registro de candidaturas, qual seja, para os Tribunais Regionais o julgamento e a publicação do acórdão deveria ocorrer até o dia 05/08/2010 e os recursos interpostos deveriam ser julgados até o dia 19/08/2010 pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Porém, na prática, não é o que ocorre, pois, embora o Tribunal Regional Eleitoral deste Estado tenha julgado todos os pedidos de registro no prazo estipulado, existem candidatos que ainda estam com registro subjudice, aguardando julgamento perante o TSE ou STF.
 
    Tal fato ocorre diante dos inumeros recursos previstos na legislação e nos regimentos internos dos Tribunais, além da grande quantidade de recursos sumbetidos a apreciação ao TSE, o que vem a reafirmar o que ja falamos anteriormente, ou seja, que qualquer pessoa pode vir a ter o seu nome na urna e receber o voto.
 
    Daí a nossa preocupação, pois, a parte final do art. 16-A e seu parágrafo único condicionam a validade dos votos dados aos candidatos subjudice e o seu cômputo ao partido ou coligação ao deferimento do registro, o que em tese, violaria o princípio democratico e a Constituição Federal.
 
    O art. 14 da Constituição Federal de 1988 prevê expressamente que: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei...”
 
    O voto, portanto, é essencial para o exercício da soberania popular e ele deve ser, obrigatoriamente, universal, direto, secreto, períodico e, sobretudo, igualitário, ou seja, o voto de ninguém deve valer mais que os dos outros, todos os votos devem receber o mesmíssimo valor para fins eleitorais.
 
    O respeito a igualdade dos votos, pelo teor do art. 16-A e seu paragrafo único, não vem ocorrendo. Isso porque os votos dados aos candidatos com registro indeferido, mas que constou nas urnas, sequer podem ser contabilizados para legenda.
 
    A titulo de exemplo, podemos utilizar o sistema proporcional, adotado no Brasil para eleições de vereadores e deputados, o cidadão que votou em determinado candidato que teve este como seu único voto, embora ele não eleja nominalmente esse candidato, seu voto poderá servir para eleger outros candidatos ou não, mas o que importa é que seu voto foi valido. Já o candidato que esteja subjudice que tenha recebido 10.000 votos, caso não seja revertido o indeferimento do seu registro, esses votos sequer irão para o partido ou coligação. Na prática o voto de uma unica pessoa teve mais valor que o voto de outras 10.000.
 
    Aqui nos poderiamos até expor que o cidadão não reuniu os requisitos para ser votado, porém, o eleitor não tem qualquer culpa sobre isso. Grande parte deles não foram responsáveis pela escolha do candidato em convenção partidária, nem tampouco pode ser imputado qualquer culpa pela demora no julgamento dos registros, muito pelo contrário, o eleitor vê o candidato praticando todos os atos de campanha  e, principalemente, seu nome esta urna eletronica, ou seja, para o eleitor em geral aquele candidato está apto.
 
    Pensamos que, ao invalidar esses votos, não só o candidato seria atingido, mas também o cidadão que deu seu voto a ele.
 
    Ao analisarmos o próprio sistema porporcional de lista aberta adotado pelo Brasil para distribuição das vagas na Camara do Deputados, em que são observados o numero de votos válidos, o quociente eleitoral e a eventual distribuição de sobras, só podemos concluir que os votos dados a candidatos subjudices não podem ser desprezados, principalmente diante do posiconamento firmado pelo TSE e STF a respeito da fidelidade partidária.
 
    Como é de conhecimento o TSE e o STF ao interpetrar a Constituição Federal a respeito da disciplina da fidelidade partidária, manifestaram entendimento no sentido de que o mandato não pertence ao candidato e sim ao partido.
 
    No brilhante voto do E. Ministro Celso de Mello no MS nº 26.603-1, foi citado uma observação feita por WILSON PEDRO DOS ANJOS e KÁTIA BRANDÃO SOARES sobre a correlação entre o discurso do candidato, diretrizes e programas do seu partido e obtenção do voto do eleitor, senão vejamos:
 
    “As agremiações partidárias, como corpos intermediários que são, posicionando-se entre a sociedade civil e a sociedade política, atuam como canais institucionalizados de expressão dos anseios políticos e das reivindicações sociais dos diversos estratos e correntes de pensamento que se manifestam no seio da comunhão nacional.
 
    Daí a observação de WILSON PEDRO DOS ANJOS e KÁTIA BRANDÃO SOARES (“Manifestação Consultiva Jurídico-Eleitoral do TSE e seus Efeitos Práticos em Face de Exercente de Mandato Parlamentar”) no sentido de que “(...) há de se atentar para o fato de que, em tese, o discurso político proferido pelo candidato em sua campanha de angariar voto para sua eleição foi baseado nas disposições, diretrizes e programas do partido ao qual estava filiado, defendendo suas idéias e bandeira política para a formação do governo. E foi nisso que se depositou o crédito do eleitor, o qual acreditou que determinada noção conceitual de certa questão socioeconômica seria defendida no parlamento (...)”, tudo a atestar – e a confirmar – que existe uma relação “entre o discurso político e a vontade do eleitor no exercício do voto”.
 
    A grosso modo, em tese, o eleitor vota em determinado candidato por conta de que as diretrizes de seu partido permitirá que certa questão socioeconomica seja defendida no parlamento.
 
    Assim, poderiamos até dizer que o eleitor, mesmo ciente de que a chance de êxito de determinado candidato seja minima, acaba dando seu voto a ele, sabendo que se este não for eleito, outro candidato do partido poderá ser, e, da mesma forma, defenderá as   disposições, diretrizes e programas do partido.
 
    Nesse mesmo sentido, este candidato que não foi eleito, poderá ainda defender seu discurso perante o próprio partido político que, por via reflexa, exigirá um posicionamento do parlamentar eleito.
 
    O que tem ocorrido é que o partido político acaba perdendo o voto do eleitor concedido ao candidato com registro indeferido, voto este que poderia ser dado a outro candidato da agremiação, o que prejudica a própria representatividade partidária.
 
    Vale registrar que o E. Ministro Celso de Mello, em seu voto, citou a doutrina de Noberto Nobbio sobre o decisivo papel dos partidos políticos no desenvolvimento da democracia representativa e, ainda, sobre a realidade dos vínculos entre o corpo eleitoral, o Parlamento e os representantes eleitos:
 
    “Mas sobretudo o que se deve ter em conta é a importância que no processo eleitoral assumiram os partidos tanto no aspecto de elaboradores e de apresentadores de programas políticos como no de organizações de gestão política. Partindo deste dado essencial, conclui-se que um modelo realista da representação, no caso de conter alguns elementos dos modelos já examinados, deverá colocar-se num plano completamente diverso. Hoje, o fenômeno da Representação política deve ser olhado como um fato global mais do que como uma série de relações de representação, reciprocamente independentes, estabelecidas entre os representantes e as circunscrições eleitorais. O mecanismo do qual brota a representação é um enorme processo de competição entre as organizações partidárias pela conquista ou pela conservação das posições parlamentares e governamentais, uma competição regulamentada e que se desenvolve frente a um público com funções de juiz.
 
    Neste quadro, o papel do representante individual não é definido de maneira absolutamente unívoca, mas é suscetível de assumir formas diferentes, de acordo com a disciplina partidária, das características da competição eleitoral e da cultura política. No processo representativo podemos ver na prática duas seqüências-tipo: 1) eleitores-partidos-representantes individuais; 2) eleitores-representantes individuais- -partidos. Na primeira seqüência, hoje a mais importante, a relação primária corre entre os partidos e o eleitorado; é diretamente a ‘imagem partidária’ que é apresentada ao juízo eleitoral e é sobre ela que se exerce o controle. Os representantes individuais têm um papel quase só executivo. Na segunda seqüência, menos importante, mas não insignificante, são estes que constituem o canal representativo entre o eleitorado (sobretudo em nível local) e os partidos (ou seja, seus órgãos centrais de elaboração de imagem partidária). Em ambos os casos, o papel do representante está diretamente ligado ao dos partidos (...).” (grifei)
 
    Como se vê uma das questões levada em consideração pelo STF e pelo TSE ao decidir sobre a fidelidade partidária, é justamente a representatividade do partido, o qual, como ja dito, também vem sendo prejudicada pela demora no julgamento definitivo dos pedidos de registros de candidatura, impossibilitando, na maioria das vezes, o computo do voto daquele eleitor que escolheu um candidato que teve seu registro indeferido, mas que poderia ter votado em outro candidato da agremiação.
 
    Pelo sistema proporcional a eleição do candidato não está condicionada tão somente a sua votação nominal, mas sim ao conjuto de votos obtidos por todos os candidatos do partido. Muitas vezes um candidato com uma votação expressiva não é eleito, enquanto outro com uma votação muito inferior sai vitorioso. Podemos citar como exemplo as eleições ocorridas no ano de 2002 em São Paulo em que, por conta da proporcionalidade, houve candidato eleito com apenas 382 votos, Ildeu Alves de Araujo do PRONA, enquanto teve candidato que obteve 84119 votos e não foi eleito, que é o caso de Celso Pitta.
 
    Nesse sentido, se analisarmos a matéria sob a perpectiva dada pelo Exmo. Ministro Gilmar na ADIN nº 1.351/DF, no sentido de que a “mudança de legenda por aqueles que obtiveram o mandato no sistema proporcional, constituiria uma clara violação à vontade do eleitor e um falseamento grotesco do modelo de representação popular pela via da democracia de partidos”, fica mais do que evidente de que o voto do eleitor, ainda que dado a candidato com registro indeferido, não pode ser desprezado.
 
    O ilustre Ministro consignou ainda que:
 
    “Na verdade, embora haja participação especial do candidato na obtenção de votos com o objetivo de posicionar-se na lista dos eleitos, tem-se que a eleição proporcional se realiza em razão de votação atribuída à legenda. Como se sabe, com raras exceções, a maioria dos eleitos sequer logram obter o quociente eleitoral, dependendo a sua eleição dos votos obtidos pela agremiação.
 
    Nessa perspectiva, não parece fazer qualquer sentido, do prisma jurídico e político, que o eventual eleito possa, simplesmente, desvencilhar-se dos vínculos partidários originalmente estabelecidos, carregando o mandato obtido em um sistema no qual se destaca o voto atribuído à agremiação partidária a que estava filiado para outra legenda.”
 
    Assim, acreditamos que a reforma do Código Eleitoral, é uma oportunidade de, além de buscar meios para agilizar o julgamento dos pedidos de registro de candidatura, sem perder de vista a essencialidade da garantia constitucional da plenitude de defesa e do contraditório, que a Constituição da República estabelece, em seu art. 5º, incisos LIV e LV, assegurar que o voto do eleitor não seja menosprezado, garantindo que o voto dado à candidato subjudice seja contabilizado para agremiação partidária.
 
    Cabe ressaltar que o Código Eleitoral já previa em seu art. 175, § 3º e 4º, que o voto dato a candidato sem registro seria nulo, porém, se a decisão que indeferiu o registro fosse proferida após as eleições, o voto seria computado para o partido.
 
    Como essa parte do Código Eleitoral não foi recepcionada pela Constituição Federal como Lei Complementar, a Lei nº 12.034/2009 acabou revogando essa disposição.
 
    Mesmo na aplicação da referida norma, não estaria satisfeita a vontade do eleitor, razão pela qual, nos manifestamos no sentido de que seja inserida na reforma do Código Eleitoral a validação, em prol do partido ou coligação, dos votos dados ao candidato subjudice, que venham a ter o seu registro indeferido por sentença transitada em julgado.
 
* Renato Orro é advogado registrado na OAB/MT, foi um dos membros fundadores da Comissão de Direito Eleitoral e é advogado militante na área do direito eleitoral.
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