Ao tomar conhecimento em Mar del Plata da declaração do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti - de que pode vir a recusar, sem votação, medidas provisórias que não atendam aos critérios de urgência e relevância -, o presidente nacional da OAB, Roberto Busato, manifestou seu apoio integral ao líder da Câmara. Busato fez críticas à resposta dada pela Casa Civil da Presidência da República, de que a pretensão de Cavalcanti é inconstitucional. "É preciso pôr um basta nessas medidas provisórias editadas da forma como estão sendo, numa demonstração de desdém para com o sistema legal, num claro desdém ao povo brasileiro e ao princípio da moralidade".
Para Busato, o governo não tem moral para tachar a atitude do presidente da Câmara de inconstitucional. Em sua opinião, o governo brasileiro - não só o de Lula mas também os que lhe antecederam - foram altamente inconstitucionais ao legislar por meio de medidas provisórias, ferindo até mesmo as cláusulas pétreas da Constituição Federal.
"Não é o governo agora que terá a autoridade moral para dizer que o presidente da Câmara está tomando uma medida inconstitucional", afirmou Busato. "O governo deveria pensar em melhorar o valor do salário mínimo, reduzir a exclusão social, melhorar os níveis de emprego, a aplicação de verbas em áreas assistenciais, fazer com que a corrupção neste país tenha realmente fim".
O presidente da OAB lembrou, ainda, o compromisso expresso firmado por Luiz Inácio Lula da Silva quando ainda era candidato à Presidência da República, de não legislar por meio de medidas provisórias. Para Busato, ao tornar-se presidente da República, Lula não honrou a promessa feita à Ordem e ainda mudou radicalmente seu comportamento.
"Parece-me que o presidente da República ou não tem vontade própria ou é refém de uma situação esdrúxula dentro do governo, que lhe obriga a agir de uma forma altamente contraditória com o seu estilo anterior de fazer política, com seu discurso enquanto ainda líder sindical, seu discurso enquanto constituinte, enquanto homem que tinha a intenção de reformular a essa forma de presidir o País".
O presidente da OAB está em Mar del Plata, na Argentina, participando da reunião de delegados da Unión Iberoamericana de Colegios y Agrupaciones de Abogados (UIBA), da qual é vice-presidente.
Segue a íntegra da manifestação do presidente nacional da OAB:
P - Como o senhor avaliou a intenção do presidente da Câmara, de recusar, sem necessidade de votação, medidas provisórias que julgue não atenderem aos requisitos de urgência e relevância?
R - O presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcante, traduz um anseio que há muito tempo a população brasileira tem latente em seu seio. Há muitos anos a OAB tem estado abertamente contra essa mazela que ocorre no Brasil, de se legislar através de medidas provisórias. Medidas provisórias têm sido editadas pelo governo de forma totalmente inconstitucional, pois não guardam os critérios de relevância e urgência. Exemplo disso é a Medida Provisória nº 232 - de aumento da carga tributária para autônomos e pequenas empresas -, que foi classificada por nós como uma medida didática, que acabou por levantar o povo brasileiro contra a injustiça do sistema tributário e contra esta mesma MP.
P - O que o senhor achou da resposta da Casa Civil da Presidência da República, de que a pretensão do presidente da Câmara, de devolver medidas provisórias quando julgar necessário, é inconstitucional?
R - Entendo que o governo não tem moral para tachar a atitude do presidente da Câmara de inconstitucional. O governo brasileiro, não só este como os demais que o antecederam, foram absolutamente inconstitucionais e isso eu já manifestei ao presidente Lula por ocasião da posse do ministro Nelson Jobim na Presidência do STF. Naquela ocasião, eu afirmei que o valor do salário mínimo era inconstitucional e que esse país é um país profundamente inconstitucional, pois não respeita as suas regras maiores, previstas na Constituição brasileira. Nem as cláusulas pétreas são respeitadas pelo governo. E não é o governo agora que terá a autoridade moral para dizer que o presidente da Câmara está tomando uma medida inconstitucional. O governo deveria pensar em melhorar o valor do salário mínimo, reduzir a exclusão social, melhorar os níveis de emprego, a aplicação de verbas nas áreas assistenciais, fazer com que a corrupção neste país tenha realmente fim. O governo deveria respeitar o princípio republicano da equidistância entre os Poderes, da harmonia e do equilíbrio entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
P - Então a declaração do presidente da Câmara dos Deputados tem o apoio da OAB?
R - O presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, tem sim o apoio da Ordem neste sentido. É preciso pôr um basta nessas medidas provisórias editadas da forma como estão sendo, numa demonstração de desdém para com o sistema legal, num claro desdém ao povo brasileiro e ao princípio da moralidade.
P - Durante a campanha eleitoral para a Presidência da República, o presidente Lula se posicionou contrário à utilização de medidas provisórias. O que aconteceu com Lula, então, quando se tornou presidente?
R - O presidente Lula não honrou o compromisso que firmou com a Ordem, de não governar por meio de medidas provisórias. Ele havia nos dito, e assinou expressamente um compromisso, que não iria legislar através de medidas provisórias, mas não o fez. Parece-me que o presidente da República ou não tem vontade própria ou é refém de uma situação esdrúxula dentro do governo, que lhe obriga a agir de uma forma altamente contraditória com o seu estilo anterior de fazer política, com seu discurso enquanto ainda líder sindical, seu discurso enquanto constituinte, enquanto homem que tinha a intenção de reformular a essa forma de presidir o País. Na minha opinião, o presidente Lula tem que se decidir rapidamente. Ou ele volta a ser o que era, um líder de vanguarda e um homem de palavra, ou passa a aceitar essa situação de passividade perante o lado nebuloso do governo, que edita medidas provisórias com exagero, aumenta impostos, que diz uma coisa e faz outra, que aumenta os gastos públicos e não procura modificar esse estado de coisas.